domingo, 24 de novembro de 2013

A casa térrea - Sophia de Mello Breyner Andresen

Que a arte não se torne para ti a compensação daquilo que não soubeste ser
Que não seja transferência nem refúgio
Nem deixes que o poema te adie ou divida: mas que seja
A verdade do teu inteiro estar terrestre.

Então construirás a tua casa na planície costeira
A meia distância entre montanha e mar
Construirás - como se diz - a casa térrea -
Construirás a partir do fundamento


Andresen, Sophia de Mello Breyner." O nome das coisas". In: Obra poética. Alfragide: Caminho, 2011.

sábado, 9 de novembro de 2013

Off price - Ferreira Gullar

Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado



e que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado.



Gullar, Ferreira. Em alguma parte alguma. Lisboa: Babel, 2010.

domingo, 6 de outubro de 2013

Livros e flores - Machado de Assis

Teus olhos são meus livros.
Que livros há aí melhor,
Em que melhor se leia
A página do amor?

Flores me são teus lábios.
Onde há mais bela flor,
Em que melhor se beba
O bálsamo do amor?


Machado de Assis. Obra completa III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1962.

sábado, 7 de setembro de 2013

Retorno ao Blog em alto estilo

Retorno ao Blog Escrever é prolongar o tempo em altíssimo estilo ou seja, com poema de meu escritor preferido e por que não dizer de meu amado escritor Fernando Pessoa.

O amor é uma companhia - Fernando Pessoa

O amor é uma companhia
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.



Pais, Amélia Pinto
Para compreender Fernando Pessoa: uma aproximação a Fernando Pessoa e seus heterônimos/Amélia Pinto Pais.- 1ª ed.- São Paulo: Claro Enigma, 2012.

sábado, 27 de abril de 2013

Canção excêntrica -- Cecília Meireles

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
-saudosa do que não faço,
-do que faço, arrependida.


Meireles, Cecília, 1901-1964
Vaga música/Cecília Meireles; apresentação João Cezar de Castro Rocha; coordenação editorial André Seffrin.- (2º ed.). - São Paulo: Global, 2013.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Alguns gostam de poesia - Wislawa Szymborska

Alguns -
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam -
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia  -
mas o que é isso, poesia
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.


Poemas de Wislawa Szymborska; seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien - São Paulo: Companhia das Letras, 2011.