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domingo, 25 de novembro de 2012

Segunda canção do beco - Manuel Bandeira

Teu corpo moreno
É da cor da praia.
Deve ter o cheiro
Da areia da praia.
Deve ter o cheiro
Que tem ao mormaço
A areia da praia.

Teu corpo moreno
Deve ter o gosto
De fruta de praia
Deve ter o travo
Deve ter a cica
Dos cajus da praia.

Não sei, não sei, mas
Uma coisa me diz
Que o teu corpo magro
Nunca foi feliz.


Traço de poeta.-1ª ed. - São Paulo: Global, 2006.- (Antologia de poesias para jovens)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Neologismo - Manuel Bandeira

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.



Bandeira, Manuel, 1886-1968
Antologia poética.-12.ed.-Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

Andorinha - Manuel Bandeira

Andorinha lá fora dizendo:
- "Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa...



Bandeira, Manuel, 1886-1968
Antologia poética. - 12.ed.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

O rio - Manuel Bandeira

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.



Bandeira, Manuel,1886-1968
Antologia poética.- 12.ed.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2001.

Tema e variações - Manuel Bandeira

Sonhei ter sonhado
Que havia sonhado

Em sonho lembrei-me
de um sonho passado:
O de ter sonhado
Que estava sonhando.

Sonhei ter sonhado...
Ter sonhado o quê?
Que havia sonhado
Estar com você.
Estar? Ter estado,
Que é tempo passado.

Um sonho presente
Um dia sonhei.
Chorei de repente,
Pois vi, despertado,
Que tinha sonhado.



Bandeira, Manuel, 1886-1968
Antologia poética. - 12.ed. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2001

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Arte de amar - Manuel Bandeira

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.



Bandeira, Manuel,1886-1968
Antologia poética.-12.ed.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2001.

sábado, 4 de setembro de 2010

Testamento - Manuel Bandeira

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Soneto inglês nº 2

Aceitar o castigo imerecido,
Não por fraqueza, mas por altivez.
No tormento mais fundo o teu gemido
Trocar num grito de ódio a quem o fez.
As delícias da carne e pensamento
Com que o instinto da espécie nos engana
Sobpor ao generoso sentimento
De uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança nem de espanto.
Nada pedir nem desejar, senão
A coragem de ser um novo santo
Sem fé num mundo além do mundo. E então
Morrer sem uma lágrima, que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

sábado, 5 de junho de 2010

Andorinha - Manuel Bandeira

Andorinha lá fora está dizendo:
-"Passei o dia à toa, à toa!"

Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa...

Sob o cèu todo estrelado - Manuel Bandeira

As estrelas, no céu muito límpido, brilhavam, divinamente distantes.
Vinha da caniçada o aroma amolecente dos jasmins.
E havia também, num canteiro perto, rosas que cheiravam a jambo.
Um vaga-lume abateu sobre as hortênsias e ali ficou luzindo misteriosamente.
A parte as águas de um córrego contavam a eterna história sem começo nem fim
Havia uma paz em tudo isso...
(Era de resto o que dizia lá dentro o meigo adágio de Haydn.)
Tudo isso era tão tranquilo... tão simples...
E deverias dizer que foi o teu momento mais feliz.

A estrada - Manuel Bandeira

Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho, Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho
manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos
símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.

Hiato - Manuel Bandeira

És na minha vida como um luminoso Poema que se lê comovidamente
Entre sorrisos e lágrimas de gozo...

A cada imagem, outra alma, outro ente
Parece entrar em nós e manso enlaçar
A velha alma arruinada e doente.

  -Um poema luminoso como o mar,
Aberto em sorrisos de espuma, onde as velas
Fogem como garças longínquas no ar...

quinta-feira, 4 de março de 2010

A Mario Quintana - Manuel Bandeira

Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta -essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares,
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas e luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares,
Quer no horror dos lupanares,
Cheiram sempre os teus cantares.

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares,
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O impossível carinho - Manuel Bandeira

Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!

Poema desentranhado de uma prosa de Augusto Frederico Schmidt _ Manuel Bandeira

A luz da tua poesia é triste mas pura.
A solidão é o grande sinal do teu destino.
O pitoresco, as cores vivas, o mistério e calor dos outros
seres te interessam realmente
Mas tu estás apartado de tudo isso, porque vives na companhia
dos teus desaparecidos,
Dos que brincaram e cantaram um dia à lua das fogueiras
de São João
E hoje estão para sempre dormindo profundamente.
Da poesia feita como quem ama e quem morre
Caminhaste para uma poesia de quem vive e recebe a tristeza
Naturalmente
- Como o céu escuro recebe a companhia das primeiras estrelas.

Desafio - Manuel Bandeira

Não sou barqueiro de vela,
Mas sou um bom remador:
No lago de São Lourenço
Dei prova do meu valor!
Remando contra a corrente,
Ligeiro como a favor,
Contra a neblina enganosa,
Contra o vento zumbidor!
Sou nortista destemido,
Não gaúcho roncador:
No lago de São Lourenço
Dei prova do meu valor!
Uma só coisa faltava
No meu barco remador:
Ver assentado na popa
O vulto do meu amor...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Teresa - Manuel Bandeira

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna


Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

Epílogo - Manuel Bandeira

Eu quis um dia, como Schumann, compor
Um Carnaval todo subjetivo:
Um Carnaval em que o só motivo
Fosse o meu próprio ser interior...

Quando o acabei  - a diferença que havia!
O de Schumann é um poema cheio de amor,
E de frescura, e de mocidade...
E o meu tinha a morta morta-cor
Da senilidade e da amargura...
- O meu Carnaval sem nenhuma alegria!...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Contigo, comigo - Manuel Bandeira

Como contigo
Eu chego a mim!

Como me trazes
A esfera imensa
Do mundo meu
E toda a encerras
Dentro de mim!

Como contigo
Eu chego a mim!

Ah como pões
Dentro de mim
A flor, a estrela,
O vento, o sol,
A água, o sonho!...

Como contigo
Eu chego a mim!

Belo Belo - Manuel Bandeira

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou! - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.