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sábado, 7 de setembro de 2013

O amor é uma companhia - Fernando Pessoa

O amor é uma companhia
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.



Pais, Amélia Pinto
Para compreender Fernando Pessoa: uma aproximação a Fernando Pessoa e seus heterônimos/Amélia Pinto Pais.- 1ª ed.- São Paulo: Claro Enigma, 2012.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A voz de Deus - Fernando Pessoa

"Com dia teço a noite,
Com noite escrevo o dia...
Ó Universo, eu sou-te!"
(Sombra de luz na bruma fria,
Que é este archote?
Que mão o tem e o guia?)

"Não me chamo o meu nome...
Sou de ti, mundo-não,
Ser mente em ti eu sou-me!"
(De quem esta voz-clarão?
D'O que tem por cognome
O ser da imensidão)


Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia, 1902-1917 / Fernando Pessoa; edição Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine. - São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Dobre - Fernando Pessoa

Peguei no meu coração E pu-lo na minha mão.

Olhei-o como quem olha
Grãos de areia ou uma folha.

Olhei-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;

Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.


Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia, 1902-1917/ Fernando Pessoa; edição Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine.- São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Tristeza - Fernando Pessoa

Falo-me em versos tristes,
Entrego-me a versos cheios
De névoa e de luar;
E esses meus versos tristes
São ténues, céleres veios
Que esse vago luar
Se deixa pratear.

Sou alma em tristes cantos,
Tão tristes como as águas
Que uma castelã vê
Perderem-se em recantos
Que ela em soslaio, de pé,
No seu castelo de prantos
Perenemente vê...
Assim as minhas mágoas não domo
Cantam-me não sei como
E eu canto-as não sei porquê.



Pessoa, Fernando,1888-1935.
Poesia, 1902-1917/ Fernando Pessoa; ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine.-São Paulo: Companhia das Letras, 2006.



sábado, 26 de maio de 2012

Está alta no céu a lua - Fernando Pessoa

Está alta no céu a lua e é primavera.
Penso em ti e dentro de mim estou completo.

Corre pelos vagos campos até mim uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome; não sou eu: sou feliz.

Amanhã virás, andarás comigo a colher flores pelos campos,
E eu andarei contigo pelos campos a ver-te colher flores.

Eu já te vejo amanhã a colher flores comigo pelos campos,
Mas quando vieres amanhã e andares comigo realmente a colher flores

Isso será uma alegria e uma novidade para mim.



Pessoa, Fernando
Poesia de Alberto Caeiro/ Fernando Pessoa.
Assírio&Alvim- Rua Passos Manuel 67B - Lisboa

Quando eu não te tinha - Fernando Pessoa

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, omo dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima.
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor...
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu não me mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para ao pé de mim.
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter  e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.

Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado.


Pessoa, Fernando
Poesia de Alberto Caeiro/ Fernando Pessoa
1ªed: setembro 2001/ 3ª ed. corrigida: outubro 2009
Asssírio & Alvim
Rua Passos Manuel,67B, 1150 - Lisboa


segunda-feira, 14 de maio de 2012

Pobres das flores - Fernando Pessoa por Alberto Caeiro

Pobres das flores nos canteiros dos jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E têm o mesmo sorriso antigo
Que tiveram à solta para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhes tocou levemente
Para ver se elas falavam...


Pessoa, Fernando.
Fernando Pessoa/ Poesia de Alberto Caeiro
edição de Fernando Cabral Martins/Richard Zenith
3ª edição- 0642
ASSIRIO&ALVIM
Rua Passos Manuel, 67B, 1150-256. Lisboa-Portugal.

O guardador de rebanhos - Fernando Pessoa por Alberto Caeiro

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que teria uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como um malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...


Pessoa, Fernando.
Fernando Pessoa/Poesia de Alberto Caeiro
Edição 0642
1ª edição: setembro de 2001/ 3ª edição corrigida: outubro 2009
ASSÍRIO&ALVIM - Rua Passos Manuel,67 B, 1150-258 -Lisboa, Portugal.

sábado, 21 de janeiro de 2012

[ Na ribeira deste rio] - Fernando Pessoa

Na ribeira deste rio
ou na ribeira daquele
passam meus dias a fio.
Nada me impede, me impele,
me dá calor ou dá frio.

Vou vendo o que o rio faz
quando o rio não faz nada.
Vejo os rastros que ele traz,
numa sequência arrastada,
do que ficou para trás.

Vou vendo e vou meditando,
não bem no rio que passa
mas só no que estou pensando,
porque o bem dele é que faça
eu não ver que vai passando.

Vou na ribeira do rio
que está aqui ou ali,
e do seu curso me fio,
porque, se o vi ou não vi,
ele passa e eu confio.



A lua no cinema e outros poemas/ organização Eucanaã Ferraz. - São Paulo:
Companhia das Letras, 2011.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Não sei o que desgosta a minha alma doente - Fernando Pessoa

Não sei o que desgosta
A minha alma doente.
Uma dor suposta
Dói-me realmente.

Como um barco absorto
Em se naufragar
À vista do porto
E num calmo mar.

Por meu ser me afundo,
P'ra longe da vista.
Durmo o incerto mundo.



Pessoa, Fernando, 1888-1935
Poesia, 1902-1917 / Fernando Pessoa; edição Manuela Parreira da silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine. - São Paulo: Companhia das letras, 2006.

Poente - Fernando Pessoa

A hora é de cinza e de fogo.
Eu morro-a dentro de mim.
Deixemos a crença em rogo,
Saibamos sentir-nos Fim.

Não me toques, fales, olhes...
Distrai-te de eu 'star aqui
Eu quero que tu desfolhes
A minha ideia de ti...

Quero despir-me de ter-te,
Quero morrer-me de amar-te.
Tua presença converte
Meu esquecer-te em odiar-te.

Quero estar só nesta hora...
Sem tragédia...Frente a frente
Com a minha alma que chora
Sob o céu indiferente,

Basta estar, sem que haja ao lado
Exterior da minha alma
Meu saber-te ali, iriado
De ti, mancha nesta calma

Ânsia de me não possuir,
De me não ter mais que meu,
De me deixar esvair
Pela indiferença do céu.



Pessoa, Fernando, 1888-1935
Poesia, 1902-1917 / Fernando Pessoa; edição Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine. - São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Acontece em Deus - Fernando Pessoa

Entre mim e a vida há uma ponte partida
Só os meus sonhos passam por ela...
Às vezes na aragem vêm de outra margem
Aromas a uma realidade bela;

Mas só sonhando atravesso o brando
Rio e me encontro a viver e a crer...
Se olho bem, vejo - pobre do desejo! -
Partida a ponte para Viver.

E então memoro num choro
Uma vida antiga que nunca tive
Em que era inteira a ponte inteira
E eu podia ir para onde se vive

E então me invade uma saudade
Dum misterioso passado meu
Em que houvesse tido um outro sentido
Que me falta pra ser, não sei como, eu.



Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia, 1902-1917/ Fernando Pessoa; edição Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine. - São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Onde estão os momentos que vivi?

Onde estão os momentos que vivi?
Onde estão as ideias que esqueci?
Talvez existam nalgum paraíso
Delicioso de vago e de preciso,
E ali me esperem para me dizer
Que foi melhor que houvesse de as perder,
Porque assim à grandeza de chorá-las
Junto a beleza d'alma de ancontrá-las
Já quando do dizê-las a ânsia fútil
As não tornara cada uma inútil...
E esta ideia me faz menos triste
Mas esse paraíso acaso existe?


Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia, 1902-1917/ Fernando Pessoa, edição Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine. - São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

domingo, 27 de novembro de 2011

Poemas inconjuntos [ 283 ] - Fernando Pessoa

O Universo não é uma ideia minha.
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.



Pessoa, Fernando. Ficções de interlúdio( Poemas completos de Alberto Caeiro: "Poemas inconjuntos"). In. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.

Dizem? - Fernando Pessoa

Dizem?
Esquecem.

Não dizem?
Disseram.

Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.

Por que
esperar?
- Tudo é
sonhar.



Pessoa, Fernando. "Cancioneiro". In: Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986.
Postado Em "Acontecimentos" por Antonio Cícero.

Pobre velha música! - Fernando Pessoa

Pobre velha música!
Não sei por que agrado
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.



Pessoa, Fernando. "Cancioneiro".In: Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,1986.
Postado em "Acontecimentos" de Antonio Cícero.

domingo, 30 de outubro de 2011

Alma - Fernando Pessoa (por Ricardo Reis)

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo.



Literatura portuguesa. Citações e pensamentos. Pessoa, Fernando, 1888-1935. Paulo Neves da Silva (org.).-São Paulo: Leya, 2011.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A criança que fui chora na estrada - Fernando Pessoa

I

A criança que fui chora na estrada (1933)

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Ah, como hei de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

II

Dia a dia mudamos para quem
Amanhã não veremos. Hora a hora
Nosso diverso e sucessivo alguém
Desce uma vasta escadaria agora.

É uma multidão que desce, sem
Que um saiba de outros. Vejo-os meus e fora.
Ah, que horrorosa semelhança têm!
São um múltiplo mesmo que se ignora.

Olho-os. Nenhum sou eu, a todos sendo.
E a multidão engrossa, alheia a ver-me,
Sem que eu perceba de onde vai crescendo.

Sinto-os a todos dentro em mim mover-me,
E, inúmero, prolixo, vou descendo
Até passar por todos e perder-me.

III

Meu Deus! Meu Deus! Quem sou, que desconheço
O que sinto que sou? Quem quero ser
Mora, distante, onde meu ser esqueço,
Parte, remoto, para me não ter.



Pessoa, Fernando. Novas Poesias Inéditas. Seleção, organização e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno. Lisboa: Ática, 1973.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O amor é uma companhia - Fernando Pessoa por Alberto Caeiro

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.



Pessoa, Fernando, 1888-1935
Poesia/Alberto Caeiro; edição Fernando Cabral Martins,
Richard Zenith. - São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Todas as opiniões que há sobre a natureza - Fernando Pessoa por Alberto Caeiro

Todas as opiniões que há sobre a Natureza
Nunca fizeram crescer uma erva ou nascer uma flor.
Toda a sabedoria a respeito das cousas
Nunca foi cousa em que pudesse pegar, como nas cousas.
Se a ciência quer ser verdadeira,
Que ciência mais verdadeira que a das cousas sem ciência?
Fecho os olhos e a terra dura sobre que me deito
Tem uma realidade tão real que até as minhas costas a sentem.
Não preciso de raciocínio onde tenho espáduas.


Pessoa, Fernando, 1888-1935
Poesia/Alberto Caeiro; edição Fernando Cabral Martins, Richard Zenith. - São Paulo: Companhia das Letras,2001.