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domingo, 3 de janeiro de 2010

Súplica - Miguel Torga

Agora que o silêncio  é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Liberdade - Miguel Torga

- Liberdade, que estáis no céu...
Rezava o padre nosso que sabia
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

- Liberdade, que estáis na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estáis em mim,
Santificado seja o vosso nome.

Pedagogia - Miguel Torga

Brinca enquanto souberes!
Tudo o que é bom e belo
Se desaprende.
A vida compra e vende
A perdição.
Alheado e feliz,
Brinca no mundo da imaginação,
Que nenhum outro mundo contradiz!

Brinca instintivamente
Como um bicho!
Fura os olhos do tempo,
E à volta do seu pasmo alvar
De cabra-cega tonta,
A saltar e a correr,
Desafronta
O adulto que hás-de-ser !

Quase um poema de amor - Miguel Torga

Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Viagem - Miguel Torga

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro,
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
( Só nos é concedida
Esta vida
Que temos
e é nela que é preciso
Procurar
 O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Num errante e dada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.

A espiral - Miguel Torga

Um dia é suficiente para amar todas as coisas como um deus
e em todas as coisas dar a vida
pelo brilho sereno de um olhar.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Para a manhã - Miguel Torga

Rosa acordada, que sonhaste?
Nas pálpebras molhadas vê-se ainda
Que choraste...
Foi algum pesadelo?
Algum presságio triste?
Ou disse-te algum deus que não existe
Eternidade?
Acordaste e és bela
Vive!
O sol enxugará esse teu pranto
Passado
Nega o presságio com perfume e encanto!
Faz o dia perfeito e acabado!