quarta-feira, 29 de junho de 2011

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje - Cecília Meireles

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.
Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.


Meireles, Cecília,1901-1964
Cecília de bolso/Cecília Meireles; [org. Fabrício Carpinejar].
-POrto Alegre, RS: L&PM,2010.

Ausência - Vinícius de Moraes

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo
da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só com os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Moraes, Vinícius, 1913-1980.
Antologia poética/ Vinícius de Moraes.- São Paulo: Companhia
das Letras,2009.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Cada dia - Fernando Pessoa (por Ricardo Reis)

Cada dia sem gozo não foi teu:
Foi só durares nele. Quanto vivas
Sem que o gozes, não vives.

Não pesa que ames, bebas ou sorrias:
Basta o reflexo do sol ido na água
De um charco,se te é grato.

Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas
Seu prazer posto, nenhum dia nega
A natural ventura!



Pessoa, Fernando, 1888-1935
Poesia/ [poesias de] Ricardo Reis. - São Paulo: Companhia das Letras,2000.

Flor amarela - Ivan Junqueira

Atrás daquela montanha
tem uma flor amarela,
dentro da flor amarela,
o menino que você era.

Porém, se atrás daquela
montanha não houver
a tal flor amarela,
o importante é acreditar
que atrás de outra montanha
tenha uma flor amarela
com o menino que você era
guardado dentro dela.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

O amor é uma companhia - Fernando Pessoa (por Alberto Caeiro)

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.




Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia/ Alberto Caeiro;edição Fernando Cabral Martins,
Richard Zenih.-São Paulo: Companhia das letras, 2001.

Todos os dias acordo com alegria e pena - Fernando Pessoa (por Alberto Caeiro)

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei-de ser comigo.
Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.

Que ama é diferente de quem é.
É a mesma pessoa sem ninguém.



Pessoa/Fernando, 1888-1935.
Poesia/Alberto Caeiro; edição Fernando Cabral martins,
Richard Zenih.- São Paulo: Companhia das letras, 2001.

Agora que sinto amor - Fernando Pessoa (por Alberto Caeiro)

Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.



Pessoa/Fernando, 1888-1935.
Poesia/Alberto Caeiro; edição Fernando Cabral Martins,
Richard Zenih.- São Paulo: Companhia das letras,2001

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Arte de amar - Manuel Bandeira

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.



Bandeira, Manuel,1886-1968
Antologia poética.-12.ed.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2001.

Rua - Cecília Meireles

Procuro a rua
que ainda me resta:
é longa, é alta,
não é essa.

Esqueço o nome,
por sono ou pressa:
é alta, é clara,
mas não é esta.

Em cada esquina
havia festa:
é clara, é vasta,
não é essa.

Nunca me lembro
onde começa:
é vasta, é longa,
mas não é esta.

Rua que não
se manifesta:
é longa, é alta,
não é essa.



Meireles, Cecília,1901-1964
Cecília de bolso/Cecília Meireles; [Organizador Fabrício Carpinejar].
-Porto Alegre, RS: L&PM,2010.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O duplo - Affonso Romano Sant'Anna

Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza.

Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.

Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que eu sou ele.

Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.



San'Anna, Affonso Romano, 1937-
Poesia reunida: 1965-1999/ Affonso Romano de Sant'Anna.- Porto Alegre:
L&PM,2004.

domingo, 19 de junho de 2011

Floral - Affonso Romano de Sant'Anna

É isso.É primavera.
estou feliz, em febre.
Outros
politizam suas dores.
Eu
me polenizo
ou polemizo
- com as flores.



Sant'Anna, Affonso Romano, 1937-
Poesia reunida: 1965-1999/ Affonso Romano Sant'Anna. - Porto Alegre:
L&PM,2004.

Álibi - Guilhermede Almeida

Não estive presente
quando se perpetrou
o crime de viver:
quando os olhos despiram,
quando as mãos se tocaram,
quando a boca mentiu,
quando os corpos tremeram,
quando o sangue correu.
Não estive presente.
Estive fora, longe
do mundo, no meu mundo
pequeno e proibido
que embrulhei e amarrei
com cordéis apertados
de meridianos meus
e de meus paralelos.
Os versos que escrevi
provam que estive ausente.

Eu estou inocente.



Almeida, Guilherme de,1890-1969.
os melhores poemas de Guilherme de Almeida/seleção de CarlosVogt - 3ªed.
São Paulo-:Global,2004.

Presente vivo - Affonso Romano de Sant'Anna

Viver
é conjugação diária
do presente.

Viver
é presentear.
Mais do que um jeito de doer
é um modo de doar.

E um presente
mais que um objeto
é o elo entre dois olhos
a floração do gesto
o prateado evento
e o cristalino afeto.

Não se dá
apenas pelo prazer
de ver
o outro receber.
Dá-se
para que o outro
entre-abrindo-se ao presente
também dê.



Sant'Anna, Affonso Romano, 1935-
Poesia reunida: 1965-1999/Affonso Romano Sant'Anna.-- Porto Alegre:L&PM,2004.

sábado, 18 de junho de 2011

O amor - Manoel de Barros

Fazer pessoas no frasco não é fácil
Mas se eu estudar ciências eu faço.
Sendo que não é melhor do que fazer
pessoas na cama
Nem na rede
Nem mesmo no jirau como os índios fazem.
(No jirau é coisa primitiva, eu sei,
mas é bastante proveitosa)
Para fazer pessoas ninguém ainda não
inventou nada melhor que o amor.
Deus ajeitou isso para nós de presente.
De forma que não é aconselhável trocar
o amor por vidro.



Barros, Manoel de, 1916-
Poesia completa/Manoel de Barros. - São Paulo:
Leya, 2010.













Barros, Manoel de, 1916-
Poesia completa/Manoel de Barros - São Paulo:
Leya,2010.

Biografia do orvalho 2 - Manoel de Barros

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.


Barros, Manoel de,1916-
Poesia completa/Manoel de Barros - São Paulo:
Leya,2010.

As bênçãos - Manoel de Barros

Não tenho a anatomia de uma garça pra receber
em mim os perfumes do azul.
Mas eu recebo.
É uma bênção.
Às vezes se tenho uma tristeza, as andorinhas me
namoram mais de perto.
Fico enamorado.
É uma bênção.
Logo dou aos caracóis ornamentos de ouro
para que se tornem peregrinos do chão.
Eles se tornam.
É uma bênção.
Até alguém já chegou de me ver passar
a mão nos cabelos de Deus!
Eu só queria agradecer.


Barros, Manoel de, 1916-
Poesia completa/Manoel de Barros - São Paulo:
Leya, 2010.

Máquina do mundo - António Gedeão

O universo é feito essencialmente de coisa nenhuma.
Intervalos, distâncias, buracos, porosidade etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.

Daí, que este arrepio,
este chamá-lo e tê-lo, erguê-lo e defrontá-lo,
esta fresta de nada aberta no vazio,
deve ser um intervalo.


Gedeão, António. "Máquina de fogo". Obra completa. Lisboa: Relógio D'Agua. 2006.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O meu olhar é nítido como um girassol - Fernando Pessoa ( por Alberto Caeiro)

O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
( Pensar é estar doente dos olhos )
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama,
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...


Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia/Alberto Caeiro; edição Fernando Cabral Martins,
Richard Zenith. -São Paulo: Companhia das Letras,2001.

Quando tornar a vir a primavera - Fernando Pessoa (por Alberto Caeiro)

Quando tornar a vir a primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.


Pessoa, Fernando, 1888-1935.
Poesia/ Alberto Caeiro; edição Fernando Cabral Martins, Richard Zenith.-
São Paulo: Companhia das Letras,2001.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Aniversário de Fernando Antonio Nogueira Pessoa

No dia 13 de junho de 1888 nascia Fernando Antonio Nogueira Pessoa, poeta controverso, complexo e apaixonante que eu verdadeiramente amo.

Palavras de Pórtico - Fernando Pessoa


Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: "Navegar é preciso; viver não é preciso."
Quero para mim o espírito[d]esta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.



Fernando Pessoa/ O Eu Profundo e os Outros Eus (Seleção Poética). Biblioteca Manancial/2 - Companhia José Aguilar editora.

sábado, 11 de junho de 2011

O pássaro cativo - Olavo Bilac

Armas, num galho de árvore, o alçapão
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas, cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
Gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos e tudo.

Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste sem cantar?

É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
"Não quero o teu alpiste
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola,
De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde construído
De folhas secas, plácido, escondido
Entre os galhos de árvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pombas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! Voar!"

Essas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar,
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão, tremendo,
lhe abriria
A porta da prisão...



Poesia quando nasce-/ilustrações Roberto Alvarenga. - 1ª ed.- São Paulo:
Editora Melhoramentos, 2003.

Cultura - Arnaldo Antunes

O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.

O bigode é a antena do gato.
O cavalo é pasto do carrapato.

O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.

O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.

O desejo é o começo do corpo.
Engordar é tarefa do porco.

A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.

O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.

O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.

O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.

Papagaio é um dragão miniatura.
Bactéria num meio é cultura.


Poesia quando nasce-/ ilustrações Roberto
Alvarenga. - 1ªed. - São Paulo: Editora Melhoramentos, 2003.

As duas flores - Castro Alves

São duas flores unidas,
São duas rosas nascidas
Talvez no mesmo arrebol,
Vivendo no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
Das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.


Unidas... Ai, quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!



Poesia quando nasce-/ilustrações Roberto Alvarenga.-1ª ed. São Paulo:
Editora Melhoramentos, 2003.

Recreio - Leo Cunha ( para José Paulo Paes)

Tem gente que teima em dizer
que criança não gosta de poesia.
Tem gente que teima em dizer
que ninguém gosta de poesia.
Tem gente que teima até
em não gostar de poesia!

Ora, não gostar de verso
é feito não gostar de circo.
Olha, não gostar de verso
é feito não gostar de pique-
esconde na hora do recreio.

Vamos brincar de bamboletras?
Vamos jogar voleitura?
Trava-línguas, adivinha,
ciranda cirandinha?
Vamos saborear sucrilhos e trocadilhos?
Balas de hortelâmpadas, à beça?
Ideias de tutti-frutti
brilhando em cima da cabeça?


Poesia quando nasce-/ ilustrações Roberto
Alvarenga. - 1ª ed.- São Paulo: Editora
Melhoramentos, 2003. (Coleção literatura em minha casa; v.1. Poesia)

Às vezes, de noite - Sérgio Caparelli

Às vezes, de noite,
acordo com muito medo
de alguém roubar os meus segredos,
às vezes, de noite.

Às vezes, de noite,
adormeço e no lume da vela
estou desperta e mais velha
às vezes, de noite.

Às vezes, de noite,
no meu sonho corre um rio
que me faz tremer de frio,
às vezes, de noite.

Às vezes, de noite,
me digo que sou boa, que sou meiga e que sou bela.
E cresci. E estou cega.
Às vezes, de noite.


Capparelli, Sergio,1947.
restos de Arco-Íris/Sergio Capparelli. - 5ª ed.
Porto Alegre: L&PM, 1977.