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sábado, 27 de abril de 2013

Canção excêntrica -- Cecília Meireles

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
projeto-me num abraço
e gero despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
-saudosa do que não faço,
-do que faço, arrependida.


Meireles, Cecília, 1901-1964
Vaga música/Cecília Meireles; apresentação João Cezar de Castro Rocha; coordenação editorial André Seffrin.- (2º ed.). - São Paulo: Global, 2013.

domingo, 25 de novembro de 2012

Voo - Cecília Meireles

 Alheias e nossas
as palavras voam.
Bando de borboletas multicores,
as palavras voam.
Bando azul de andorinhas,
bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Voam as palavras
como águias imensas.
Como escuros morcegos
como negros abutres,
as palavras voam.

Oh! alto e baixo
em círculos e retas
acima de nós, em redor de nós
as palavras voam.

E às vezes pousam.


Meireles, Cecília, 1901-1964.
As palavras voam/antologia poética de Cecília Meireles;organizador Bartolomeu Campos de Queirós.- 1ª.ed. - São Paulo: Moderna, 2005.-

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Leilão de jardim - Cecília Meireles

Quem me compra um jardim com flores? borboletas de muitas cores,
lavadeiras e passarinhos,
ovos verdes e azuis nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
uma estátua da Primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?

(Este é o meu leilão!)


Meireles, Cecília, 1901-1964.
Ou isto ou aquilo; ilustrações de Eleonora Affonso. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira; 4ª ed.; 1980.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Pássaro - Cecília Meireles

Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.

Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.



Meireles, Cecília, 1901-1964
Palavras e pétalas/ Cecília Meireles; [organizador Antonio Carlos Secchin].
-Rio de Janeiro: Desiderata, 2008.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Assovio - Cecília Meireles

Ninguém abra a sua porta
para ver o que aconteceu:
saímos de braço dado,
a noite escura mais eu.

Ela não sabe o meu rumo,
eu não lhe pergunto o seu:
não posso perder mais nada,
se o que houve já se perdeu.

Vou pelo braço da noite,
levando tudo que é meu:
- a dor que os homens me deram,
e a canção que Deus me deu.



Meireles, Cecília, 1901-1964
Cecília de bolso/Cecília Meireles; [organizador Fabrício Carpinejar].
- Porto Alegre,RS: L&PM,2010.

Os remos batem nas águas - Cecília Meireles

Os remos batem nas águas:
tem de ferir, para andar.
As águas vão consentindo-
esse é o destino do mar.


Meireles, Cecília, 1901-1964
Cecília de bolso/ Cecília Meireles;[organizador Fabrício Carpinejar].
-Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.

Não sei distinguir no céu as várias constelações - Cecília Meireles

Não sei distinguir no céu as várias constelações:
não sei os nomes de todos os peixes e flores,
nem dos rios nem das montanhas:
caminho por entre secretas coisas,
a cada lugar em que meus olhos pousam,
minha boca dirige uma pergunta.

Não sei o nome de todos os habitantes do mundo,
nem verei jamais todos os seus rostos,
embora sejam meus contemporâneos.

Não, não sei, na verdade, como são em corpo e alma
todos os meus amigos e parentes.
Não entendo todas as coisas que dizem,
não compreendo bem do que vivem, como vivem,
como pensam que estão vivendo.

Não me conheço completamente,
só nos espelhos me encontro,
tenho muita pena de mim.

Não penso todos os dias exatamente
do mesmo modo.
As mesmas coisas me parecem a cada instante diversas.
Amo e desamo, sofro e deixo de sofrer,
ao mesmo tempo, nas mesmas circunstâncias.

Aprendo e desaprendo,
esqueço e lembro,
meu Deus, que águas são estas onde vivo,
que ondulam em mim, dentro e fora de mim?

Se dizem meu nome, atendo por hábito.
Que nome é o meu?
Ignoro tudo.

Quando alguém diz que sabe alguma coisa,
fico perplexa:
ou estará enganado, ou é um farsante
- ou somente eu ignoro e me ignoro desta maneira?

E os homens combatem pelo que julgam saber.
E eu, que estudo tanto,
inclino a cabeça sem ilusões,
e a minha ignorância enche-me de lágrimas as mãos.



Meireles, Cecília, 1901-1964
Cecília de bolso/Cecília Meireles; [organizador Fabrício Carpinejar].
-Porto Alegre, RS: L&PM,2010.

domingo, 24 de julho de 2011

Nadador - Cecília Meireles

O que me encanta é a linha alada
das tuas espáduas, e a curva
que descreves, pássaro da água!

É a tua fina, ágil cintura,
e eese adeus da tua garganta
para cemitérios de espuma!

É a despedida, que me encanta,
quando te desprendes ao vento,
fiel à queda, rápida e branda.

E apenas por estar prevendo,
longe, na eternidade da água,
sobreviver teu movimento...



Moriconi, Italo (organizador)
Os cem melhores poemas brasileiros do século/Italo Moriconi(organizador)
- Rio de Janeiro: Objetiva,2001.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje - Cecília Meireles

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até hoje
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza efêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.
Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de riso e pedras.
Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano
permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.


Meireles, Cecília,1901-1964
Cecília de bolso/Cecília Meireles; [org. Fabrício Carpinejar].
-POrto Alegre, RS: L&PM,2010.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Rua - Cecília Meireles

Procuro a rua
que ainda me resta:
é longa, é alta,
não é essa.

Esqueço o nome,
por sono ou pressa:
é alta, é clara,
mas não é esta.

Em cada esquina
havia festa:
é clara, é vasta,
não é essa.

Nunca me lembro
onde começa:
é vasta, é longa,
mas não é esta.

Rua que não
se manifesta:
é longa, é alta,
não é essa.



Meireles, Cecília,1901-1964
Cecília de bolso/Cecília Meireles; [Organizador Fabrício Carpinejar].
-Porto Alegre, RS: L&PM,2010.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Lua adversa - Cecília Meireles

Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vem,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para seu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


Cecília de bolso/Cecília Meireles; [organizador Fabrício Carpinejar].
- Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.

Papéis VI - Cecília Meireles

Minha infância foi sobre um velho tapete oriental.
Nele aprendi a beleza das cores.
Nele sonhei com as raízes do azul e do encarnado.
E sempre me pareceu que o desenho era uma escrita:
que o tapete falava coisas,
- eu é que ainda não o podia entender.


Cecília de bolso/Cecília Meireles; [organizador Fabrício Carpinejar].
-Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem - Cecília Meireles

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinza afêmera:
todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de
riso e pedras.

Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro,
minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano

permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.

Cecília de bolso/Cecília Meireles; [organizador Fabrício Carpinejar].-Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Inesperadamente - Cecília Meireles

Inesperadamente,
a noite se ilumina:
que há outra claridade
para o que se imagina.

Que sobre-humana face
vem dos caules da ausência
abrir na noite o sonho
de sua própria essência?

Que saudade se lembra
e, sem querer, murmura
seus vestígios antigos
de secreta ventura?

Que lábio se descerra
e - a tão terna distância! -
conversa amor e morte
com palavras da infância?

O tempo se dissolve:
nada mais é preciso,
desde que te aproximas,
porta do Paraíso!

Há noite? Há vida? Há vozes?
Que espanto nos consome,
de repente, mirando-nos?
( Alma, como é teu nome?)

Cecília de bolso/Cecília Meireles; [organizador Fabrício Carpinejar]
-Porto Alegre, RS: L&PM, 2010.

Sonhei um sonho - Cecília Meireles

Sonhei um sonho
e lembrei-me do sonho
e esqueci-me do sonho
e sonhei que procurava
em sonho aquele sonho
e pergunto se a vida
não é um sonho que procurava um sonho.

Cecília de bolso/Cecília Meireles;[organizador Fabrício Carpinejar].
- Porto Alegre, RS: L&PM,2010.

sábado, 21 de agosto de 2010

A doce canção - Cecília Meireles

Pus-me a cantar minha pena
com uma palavra tão doce,
de maneira tão serena,
que até Deus pensou que fosse
felicidade - e não pena.

Anjos de lira dourada
debruçaram-se da altura.
Não houve, no chão, criatura
de que eu não fosse invejada,
pela minha voz tão pura.

Acordei a quem dormia,
fiz suspirarem defuntos.
Um arco-íris de alegria
da minha boca se erguia
pondo o sonho e a vida juntos.

O mistério do meu canto.
Deus não soube, tu não viste.
Prodígio imenso do pranto:
-Todos perdidos de encanto,
só eu morrendo de triste!

Por isso tão docemente
meu mal transformar em verso,
oxalá Deus não o aumente,
para trazer o universo
de pólo a pólo contente!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Quando meu rosto contemplo - Cecília Meireles

Quando meu rosto contemplo,
o espelho se despedaça:
por ver como passa o tempo
e o meu desgosto não passa.

Amargo campo da vida,
quem te semeou com dureza,
que os que não se matam de ira
morrem de pura tristeza?

Cantiguinha - Cecília Meireles

Brota esta lágrima e cai.
Vem de mim, mas não é minha.
Percebe-se que caminha,
sem que se saiba aonde vai.

Parece angústia espremida
de meu negro coração,
- pelos meus olhos fugida
e quebrada em minha mão.

Mas é rio, mais profundo,
sem nascimento e sem fim,
que, atravessando este mundo,
passou por dentro de mim.

Inscrição - Cecília Meireles

Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar.
Por que havemos de ser unicamente humanos,
limitados em chorar?

Não encontro caminhos
fáceis de andar
Meu rosto vário desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.

E por isso levito.
É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.

Rastro de flor e estrela,
nuvem e mar.
Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.

Venturosa de sonhar-te - Cecília Meireles

Venturosa de sonhar-te,
à minha sombra me deito.
(Teu rosto, por toda parte,
mas, amor, só no meu peito!)

-Barqueiro, que céu tão leve!
Barqueiro que mar parado!
Barqueiro, que enigma breve,
o sonho de ter amado!

Em barca de nuvens sigo:
e o que vou pagando ao vento
para levar-te comigo
é suspiro e pensamento.

- Barqueiro, que doce instante!
Barqueiro, que instante imenso,
não do amado nem do amante:
mas de amar o amor que penso!