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quinta-feira, 7 de junho de 2012

O pai - Eduardo Galeano

Vera faltou na escola. Ficou o dia inteiro trancada em casa. Ao anoitecer, escreveu uma carta ao pai. O pai de Vera estava muito doente, no hospital. Ela escreveu:
- Peço que você goste de você, que se cuide e se proteja, que se mime, que se sinta, que se ame, que se desfrute. Digo que gosto de você, cuido de você, protejo você, mimo você, sinto você, amo você, desfruto você.
Héctor Carnevale durou mais alguns dias. Depois, com a carta de sua filha debaixo do travesseiro, foi-se embora no sonho.


Galeano, Eduardo, 1940-
Bocas do tempo/ Eduardo Galeano - Porto Alegre: L&PM, 2004.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Sopa de letras - Eduardo Galeano

Pelo tamanho e pelo brilho, parece uma lágrima. Os cientistas o chamam de lepisma saccharina, mas ele responde pelo nome de peixinho de prata, embora de peixe não tenha nada e não conheça a água.
Dedica-se a devorar livros, embora também não tenha nada de traça. Come o que encontra, romances, poemas, enciclopédias, pouco a pouco, engolindo palavra, de qualquer idioma.
Passa a vida na escuridão das bibliotecas. Do resto, não tem nem idéia. A luz do dia o mata.
Seria erudito, se não fosse inseto.


Galeano, Eduardo, 1940-
Bocas do tempo / Eduardo Galeano. - Porto Alegre: L&PM, 2004

quinta-feira, 3 de maio de 2012

A função da arte/1 - Eduardo Galeano

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!


Eduardo Galeano

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Janela sobre a palavra/2 - Eduardo Galeano

A letra A tem as pernas abertas.
A M é um sobe desce que vai e vem entre o céu e o inferno.
A O , círculo fechado, asfixia.
A R está evidentemente grávida.
- Todas as letras da palavra AMOR são perigosas - comprova Romy Díaz-Perera.
Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar.


Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres/ Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.- Porto Alegre: L&PM,2011.

A pequena morte - Eduardo Galeano

Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu voo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos,e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.



Galeano, Eduardo, 1940-
Mulheres/ Eduardo Galeano; tradução de Eric Nepomuceno.- Porto Alegre: L&PM,2011.