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sábado, 18 de dezembro de 2010

É preciso parar - Clarice Lispector

Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu?
Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim - enfim, mas que medo - de mim mesma.

Aprendendo a viver/Clarice Lispector. - Rio de Janeiro: Rocco, 2004.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Texto de "Água Viva" - Clarice Lispector

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se podem dizer.

Água viva: ficção / Clarice Lispector.
-Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

sábado, 21 de agosto de 2010

Exercício - Clarice Lispector

É curiosa esta experiência de escrever mais leve e para muitos, eu que escrevia "minhas coisas" para poucos. Está sendo agradável a sensação. Aliás, tenho me convivido muito ultimamente e descobri com surpresa que sou suportável, às vezes até agradável de ser. Bem. Nem sempre.

Escrever as entrelinhas - Clarice Lispector

Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha - morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever distraidamente.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A comunicação muda - Clarice Lispector

O que nos salva da solidão é a solidão de cada um dos outros.
Às vezes, quando duas pessoas estão juntas, apesar de falarem, o que elas comunicam silenciosamente uma à outra é o sentimento de solidão.

O que é angústia - Clarice Lispector

Um rapaz fez-me essa pergunta difícil de ser respondida. Pois depende do angustiado. Para alguns incautos, inclusive, é palavra que se orgulham de pronunciar como se com ela subissem de categoria - o que também é uma forma de angústia.
Angústia pode ser não ter esperança na esperança. Ou conformar-se sem se resignar. Ou não se confessar nem a si próprio. Ou não ser o que realmente se é, e nunca se é. Angústia pode ser o desamparo de estar vivo. Pode ser também não ter coragem de ter angústia - e a fuga é outra angústia. Mas angústia faz parte: o que é vivo, por ser vivo, se contrai.
Esse mesmo rapaz perguntou-me: você não acha que há um vazio sinistro em tudo? Há sim. Enquanto se espera que o coração entenda.

Enquanto vocês dormem - Clarice Lispector

Se vocês soubessem como esta noite está diferente. São três horas da madrugada, estou com uma de minhas insônias. Tomei uma xícara de café, já que não ia dormir mesmo. Botei açúcar demais, e o café ficou horrível. Ouço o barulho das ondas do mar se quebrando na praia. Esta noite está diferente porque, enquanto vocês dormem, estou conversando com vocês. Interrompo, vou ao terraço, olho a rua e a nesga de praia e o mar. Está escuro. Tão escuro. Penso em pessoas de quem eu gosto: estão todas dormindo ou se divertindo. É possível que algumas estejam tomando uísque. Meu café se transforma em mais adocicado ainda, em mais impossível ainda. E a escuridão se torna tão maior. Estou caindo numa tristeza sem dor. Não é mau. Faz parte. Amanhã provavelmente terei alguma alegria, também sem grandes êxtases, só alegria, e isto também não é mau. É, mas não estou gostando muito deste pacto com a mediocridade de viver.

Que nome dar à esperança - Clarice Lispector

Mas se através de tudo corre a esperança, então a coisa é atingida. No entanto a esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta palavra significa sobretudo espera. E a esperança é já. Deve haver uma palavra que signifique o que quero dizer.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

A perfeição - Clarice Lispector

O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta. O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete. Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. Apesar da verdade ser exata e clara em si própria, quando chega até nós se torna vaga pois é tecnicamente invisível. O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

O nascimento do prazer (trecho) - Clarice Lispector

O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar-se inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido. Pois o prazer não é de se brincar com ele. Ele é nós.

Seguir a força maior - Clarice Lispector

É determinismo, sim. Mas seguindo o próprio determinismo é que se é livre. Prisão seria seguir um destino que não fosse o próprio. Há uma grande liberdade em se ter um destino. Este é o nosso livre-arbítrio.

Uma revolta - Clarice Lispector

Quando o amor é grande demais torna-se inútil: já não é mais aplicável, e nem a pessoa amada tem a capacidade de receber tanto. Fico perplexa como uma criança ao notar que mesmo no amor tem-se que ter bom senso e senso de medida. Ah, a vida dos sentimentos é extremamente burguesa.

domingo, 18 de julho de 2010

O mar de manhã - Clarice Lispector

O mar. Tenho deixado de ir ao mar por indolência. E também por impaciência com o ritual necessário: barraca, areia colada por toda a pele. E mesmo não sei ir ao mar sem molhar cabelos. E, chegando em casa, tem-se que tirar o sal.
Mas um dia vou falar do mar de um modo melhor. Aliás, acho que vou começar um pouquinho agora. Vou falar do cheiro do mar que às vezes me deixa tonta.
Tenho uma conhecida que mora na Zona Norte, o que não justifica nunca ter entrado no mar. Fiquei pasma quando me contou. E prometi que ela viria em casa para entrarmos no mar às seis da manhã. Por que? Porque é a hora da grande solidão do mar. Como explicar que o mar é o nosso berço materno mas que seu cheiro seja todo masculino; no entanto berço materno? Talvez se trate da fusão perfeita do masculino com o feminino. Às seis horas da manhã as espumas são mais brancas.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Por medo do desconhecido (trecho) - Clarice LIspector

Então isso era a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois os olhos ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor por essa vida mortal a assassinava docemente aos poucos. E o que é que se faz quando se fica feliz? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda que já está começando a me doer como uma angústia e como um grande silêncio? A quem dou minha felicidade que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, ela não queria ser feliz. Por medo de entrar num terreno desconhecido. Preferia a mediocridade de uma vida que ela conhecia. Depois procurou rir para disfarçar a terrível e fatal escolha. E pensou com falso ar de brincadeira: "Ser feliz? Deus dá nozes a quem não tem dentes." Mas não conseguiu achar graça. Estava triste, pensativa. Ia voltar para a morte diária.

Viver - Clarice Lispector

Ele teve a sensação de ser. Não poderia explicar, tão profundo,nítido e largo que era. A sensação de ser era uma visão aguda, calma e instantânea de ser o próprio representante da vida e da morte.Então, ele não quis dormir, para não perder a sensação da vida.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As sete maravilhas de cada mundo - Clarice Lispector

     Tenho uma amiga chamada Azaléia, que simplesmente gosta de viver. Viver sem adjetivos. É muito doente de corpo, mas seus risos são claros e constantes. Sua vida é difícil, mas é sua.
     Um dia desses me disse que cada pessoa tinha em seu mundo sete maravilhas. Quais? Dependia da pessoa.
     Ela então resolveu classificar as sete maravilhas de seu mundo.
     Primeira: ter nascido. Ter nascido é um dom, existir, digo eu, é um milagre.
     Segunda: seus cinco sentidos que incluem em forte dose o sexto. Com eles ela toca e sente e ouve e se comunica e tem prazer e experimenta a dor.
     Terceira: sua capacidade de amar. Através dessa capacidade,
menos comum do que se pensa, ela está sempre repleta de amor por alguns e por muitos, o que lhe alarga o peito.
     Quarta: sua intuição. A intuição alcança-lhe o que o raciocínio não toca e que os sentidos não percebem.
     Quinta: sua inteligência. Considera-se uma privilegiada por entender. Seu raciocínio é agudo e eficaz.
     Sexta: a harmonia. Conseguiu-a através de seus esforços, e realmente ela é toda harmoniosa, em relação ao mundo em geral, e a seu próprio mundo.
     Sétima: a morte. Ela crê, teosoficamente, que depois da morte a alma se ancarna em outro corpo, e tudo começa de novo, com a alegria das sete maravilhas renovadas.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Conversa puxa conversa à toa - Clarice Lispector

     Eu estava na copa tomando um café e ouvi a cozinheira na área de serviço cantando uma melodia linda, sem palavras, uma espécie de cantilena extremamente harmoniosa. Perguntei-lhe de quem era a canção. Respondeu: é bobagem  minha mesmo.
     Ela não sabia que era criativa. E o mundo não sabe que é criativo. Parei de tomar o café, meditei: o mundo ainda será muito mais criativo. O mundo não se conhece a si próprio. Estamos tão atrasados  em relação a nós mesmos. Inclusive a palavra criativa não será usada como palavra, nem mesmo vai se falar nela: apenas tudo se criará. Não é culpa nossa - continuei com meu café - se estamos atrasados de milhares de anos. Ao pensar em "milhares de anos à nossa frente", deu-me quase uma vertigem pois não consigo contar sequer com a cor que a terra terá. A posteridade existe e esmagará o nosso presente. E se o mundo se cria por ciclos, digamos, é possível que voltemos às cavernas e que tudo se repita de novo? Dói-me até o corpo ao pensar que não saberei jamais como o mundo será daqui a milhares de anos. Por outro lado, continuei, nós estamos engatinhando até depressa. E a toada que a moça cantava vai dominar esse mundo novo: vai-se criar sem saber. Mas por enquanto estamos secos como um figo seco onde ainda há um pouco de umidade.
     Enquanto isso a empregada estende roupa na corda e continua sua melopéia sem palavras. Banho-me nela. A empregada é magra e morena, e nela se aloja um "eu". Um corpo separado dos outros, e a isso se chama de "eu"? É estranho ter um corpo onde se alojar, um corpo onde sangue molhado corre sem parar, onde a boca sabe cantar, e os olhos tantas vezes devem ter chorado. Ela é um "eu".

A vida é sobrenatural - Clarice Lispector

     Refletindo um pouco, cheguei à ligeiramente assustadora certeza de que os pensamentos são tão sobrenaturais como uma história passada depois da morte. Simplesmente descobri de súbito que pensar não é natural. Depois refleti um pouco mais e descobri que não tenho um dia-a-dia. É uma vida-a-vida. E que a vida é sobrenatural. 

segunda-feira, 12 de julho de 2010

O vestido branco - Clarice Lispector

     Acordei de madrugada desejando ter um vestido branco. E seria de gaze. Era um desejo intenso e lúcido. Acho que era a minha inocência que nunca parou. Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa.. Mas também sou inocente. A vontade de me vestir de branco foi o que sempre me salvou. Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. A pureza de que falo é límpida: até as coisas ruins a gente aceita. E tem um gosto de vestido branco de gaze. Talvez eu nunca venha a tê-lo, mas é como se tivesse, de tal modo se aprende a viver com o que tanto falta. Também quero um vestido preto porque me deixa mais clara e faz minha pureza sobressair. É mesmo pureza? O que é primitivo é pureza. O que é espontâneo é pureza. O que é ruim é pureza? Não sei, sei que às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
     Acordei de madrugada com tanta intensidade por um vestido branco  de gaze, que abri meu guarda-roupa. Tinha um branco, de pano grosso e decote arredondado. Grossura é pureza? Uma coisa sei: amor, por mais violento, é.
     E eis que de repente agora mesmo vi que não sou pura.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O suéter - Clarice Lispector

     Aconteceu-me ganhar um suéter. Até aí tudo parece simples. Mas não é.
     Quem me mandou o suéter foi uma moça que não conheço. Sei, por intermédio de um amigo comum, que a moça desenha extraordinariamente bem. Mora em São Paulo. Quando esteve no Rio almoçou com nosso amigo. Estava com um suéter tão bonito que meu amigo achou que ficaria bem em mim e encomendou um exatamente igual ao dela. Aconteceu, porém, que a moça é minha leitora - ou estou enganada? - e quando soube para quem era o presente fez questão de ser ela própria a dá-lo a mim. O amigo aceitou.
     E eis-me dona de repente do suéter mais bonito que os homens da terra já criaram. É de um vermelho-luz e parece captar tudo o que é bom para ele e para mim. Esta é a sua alma: a cor. Estou escrevendo antes de sair de casa, e com o suéter. Aliada à sua cor de flama e chama, ele me foi dado com tanto carinho que me envolve toda e tira qualquer frio de quem se sinta solitária. É uma carícia de grande amizade. Hoje vou sair com ele pela primeira vez. Está ligeiramente justo demais, porém é possível que assim deva ser: admitindo como gloriosa a condição feminina. Terminada esta nota vou me perfumar com um perfume que é meu segredo: gosto das coisas secretas. E estarei pronta para enfrentar o frio não só o real como os outros.  
      Sou uma mulher a mais.