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domingo, 17 de julho de 2011

Indivisíveis - Mario Quintana

O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças
de cinco anos.

Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda
separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que apenas tinham a mesma fidelidade
sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se,
não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por
toda a sua vida...


Quintana, Mario,1906-1994.
Nariz de vidro/Mario Quintana. - 2º ed. -
São Paulo: Moderna,2003. - (coleção veredas)

Eu nada entendo - Mario Quintana

Eu nada entendo da questão social.
Eu faço parte dela, simplesmente...
E sei apenas do meu próprio mal,
Que não é bem o mal de toda a gente,

Nem é deste Planeta... Por sinal
Que o mundo se lhe mostra indiferente!
E o meu Anjo da Guarda, ele somente,
É quem lê os meus versos afinal...

E enquanto o mundo em torno se esbarronda,
Vivo regendo estranhas contradanças
No meu vago País de Trebizonda...

Entre os Loucos, os Mortos e as Crianças,
É lá que eu canto, numa eterna ronda,
Nossos comuns desejos e esperanças!...


Quintana, Mario,1906-1994.
Nariz de vidro/ Mario Quintana. - 2ª ed. -
São Paulo: Moderna,2003 - (Coleção Veredas)

sábado, 2 de julho de 2011

O que o vento não levou - Mario Quintana

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...


Quintana, Mario,1906-1994.
Quintana de bolso/ Mario Quintana. - Porto Alegre: L&PM, 1997.

O olhar - Mario Quintana

O último olhar do condenado não é nublado
sentimentalmente por lágrimas
nem iludido por visões quiméricas.
O último olhar do condenado é nítido como uma fotografia:
vê até a pequenina formiga que sobe acaso pelo rude braço do verdugo,
vê o frêmito da última folha no alto daquela árvore, além...
Ao olhar do condenado nada escapa, como ao olhar de Deus
-um porque é eterno,
o outro porque vai morrer.
O olhar do poeta é como o olhar de um condenado...
como o olhar de Deus...


Quintana, Mario, 1906-1994.
Quintana de bolso/Mario Quintana.- Porto Alegre:L&PM,1997.

Dedicatória - Mario Quintana

Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?
Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?
Eu escrevo para a Maria de Todo o Dia.
Eu escrevo para o João Cara de Pão.
Para você, que está com este jornal na mão...
E de súbito descobre que a única novidade é a poesia,
O resto não passa de crônica policial-social-política.
E os jornais sempre proclamam que a "situação é crítica"!
Mas eu escrevo é para o João e a Maria,
Que quase sempre estão em situação crítica!
E por isso as minhas palavras são quotidianas como o
pão nosso de cada dia
E a minha poesia é natural e simples como a água bebida
na concha da mão.


Quintana, Mario, 1906-1994.
Quintana de bolso/Mario Quintana.-Porto Alegre:L&PM,1997.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

S.O.S - Mario Quintana

O poema é uma garrafa de naufrágio jogada ao mar.
Quem a encontra
Salva-se a si mesmo...

O livro de haicais/Mario Quintana;São Paulo;Globo, 2009.

O poema - Mario Quintana

O poema
essa estranha máscara
Mais verdadeira do que a própria face...

O livro de haicais/Mario Quintana; São Paulo: Globo, 2009

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Epígrafe - Mario Quintana

As únicas coisas eternas são as nuvens...

Noturno - Mario Quintana

Não sei por que, sorri de repente
E um gosto de estrela me veio na boca...
Eu penso em ti, em Deus, nas voltas inumeráveis que
[fazem os caminhos...

Em Deus, em ti, de novo...
Tua ternura tão simples...
Eu queria, não sei por que, sair correndo descalço pela
[noite imensa
E o vento da madrugada me encontraria morto junto
[de um arroio,
Com os cabelos e a fronte mergulhados na água límpida...
Mergulhados na água límpida, cantante e fresca de um
[arroio!
Os grilos cantarão na treva...
Fora, na grama fria, devem estar brilhando as gotas
[pequeninas do orvalho.

Da Realidade - Mario Quintana

O sumo bem só no ideal perdura...
Ah! quanta vez a vida nos revela
Que "a saudade da amada criatura"
É bem melhor do que a presença dela...

É a mesma a ruazinha sossegada - Mario Quintana

É a mesma a ruazinha sossegada.
Com as velhas rondas e as canções de outrora...
E os meus lindos pregões da madrugada
Passam cantando ruazinha em fora!

Mas parece que a luz está cansada...
E, não sei como, tudo tem, agora,
Essa tonalidade amarelada
Dos cartazes que o tempo descolora...

Sim, desses cartazes ante os quais
Nós às vezes paramos, indecisos...
Mas para quê?... Se não adiantam mais!...

Pobres cartazes por aí afora
Que inda anunciam: - Alegria - Risos
Depois do Circo já ter ido embora!...

Eu faço versos como os saltimbancos - Mario Quintana

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

"Meu Deus1 Mas tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
"Que tédio!" o coro dos Amigos clama.

"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!"

domingo, 18 de julho de 2010

Os livros não mudam o mundo - Mario Quintana

Os livros não mudam o mundo.
Quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas.

domingo, 11 de abril de 2010

No fim tu hás de ver...- Mario Quintana

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
são as únicas que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo, o carinho no momento
preciso, o folhear de um livro, o cheiro que um
dia teve o próprio vento...

O futuro é uma espécie de banco... - Mario Quintana

O futuro é uma espécie de banco, ao qual
vamos remetendo, um por um, os cheques de
nossas esperanças. Ora! Não é possível que
todos os cheques sejam sem fundos.

As pessoas sem imaginação... - Mario Quintana

As pessoas sem imaginação podem ter tido
as mais imprevistas aventuras, podem ter
visitado as terras mais estranhas... Nada
lhes sobrou. Uma vida não basta ser vivida:
também precisa ser sonhada.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Eu mandava rezar o réquiem mais profundo... - Mario Quintana

Eu mandava rezar o requiém mais profundo
Não só pelos meus
Mas por todos os poemas inválidos
que se arrastam pelo mundo
E cuja comovedora beleza
ultrapassa a dos outros
Porque está, antes e depois de  tudo,
No seu inatingível anseio de beleza!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Ah, sim, a velha poesia... - Mario Quintana

Poesia, a minha velha amiga...
eu entrego-lhe tudo
a que os outros não dão importância nenhuma...
a saber:
o silêncio dos velhos corredores
uma esquina
uma lua
(porque há muitas, muitas luas...)
o primeiro olhar daquela primeira namorada
que ainda ilumina, ó alma,
como uma tênue luz de lamparina,
a tua câmara de horrores.
E os grilos?
Não estão ouvindo lá fora, os grilos?
Sim, os grilos...
Os grilos são os poetas mortos.

Entrego-lhes grilos aos milhões um lápis verde um retrato
amarelecido um velho  ovo de costura os teus pecados
as reivindicações as explicações- menos
o dar de ombros e os risos contidos
mas
todas as lágrimas que o orgulho estancou na fonte
as explosóes de cólera
o ranger de dentes
as alegrias agudas até o grito
a dança dos ossos...

Pois bem,
às vezes
de tudo quanto lhe entrego, a Poesia faz uma coisa que
parece que nada tem a ver com os ingredientes mas que
tem por isso mesmo um sabor total: eternamente esse
gosto de nunca e de sempre.

Retrato do poeta na idade madura - Mario Quintana

A minha alma era uma paisagem hirsuta:
cactos, palmas híspidas,
estranhas flores que atemorizavam (seriam aranhas
carnívoras?) parecia
um texto obscuro com pontuação excessiva;
tudo porque me estavam apontando alguns fios de barba;
e cada fio era uma baioneta calada contra o mundo:

tu
com
a graça aérea de um helicóptero ou de uma libélula
soubeste achar - naquilo- onde o campo de pouso,
soubeste ouvir onde cantava
pura
a face oculta...

Só tu soubeste achar-me...e te foste!

Eu escrevi um poema triste - Mario Quintana

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!