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sábado, 9 de novembro de 2013

Off price - Ferreira Gullar

Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado



e que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado.



Gullar, Ferreira. Em alguma parte alguma. Lisboa: Babel, 2010.

domingo, 11 de novembro de 2012

Parte de entrevista de Ferreira Gullar a Revista Veja


     Já fiquei onze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há há onze anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema... Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos.
Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.
     O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.


                                                               Ferreira Gullar












sábado, 21 de janeiro de 2012

Uma voz - Ferreira Gullar

Sua voz quando ela canta
me lembra um pássaro mas
não um pássaro cantando:
lembra um pássaro voando



A lua no cinema e outros poemas/organização Eucanaã ferraz. - São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Uma voz - Ferreira Gullar

Sua voz quando ela canta
me lembra um pássaro mas
não um pássaro cantando:
lembra um pássaro voando



A lua no cinema e outros poemas/Organização Eucanaã Ferraz. - São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

sábado, 2 de julho de 2011

Lições de arquitetura - (sobre a arquitetura de Oscar Niemeiyer) - Ferreira Gullar

No ombro do planeta (em Caracas)
Oscar depositou para sempre uma ave uma flor
ele não faz de pedra nossas casas
faz de asas.
No coração de Argel sofrida
fez aterrisar uma tarde uma nave estelar
e linda
como ainda há de ser a vida
(Com seu traço futuro Oscar nos ensina que o
sonho é popular)
Nos ensina a sonhar
mesmo se lidamos com matéria dura
o ferro o cimento a fome
da humana arquitetura
Nos ensina a viver
no que ele transfigura
no açúcar da pedra
no sonho do ovo
na argila da aurora
na pluma da neve
na alvura do novo
Oscar nos ensina
que a beleza é leve.


Lispector, Clarice, 1920-1977
Entrevistas/Clarice Lispector; [org.de Claire Williams; preparação de originais e notas biográficas de Teresa Montero].- Rio de Janeiro:
Rocco, 2007.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A planta - Ferreira Gullar

haverá mesmo tanta
diferença
entre mim e a planta
do vaso da sala?

Ao que se percebe
ela é verde
e não fala

Pode ser que ouvido
melhor que o meu
ouça-lhe a voz da seiva
a irrigar-lhe o caule

Ao contrário de mim
( forma pronta )
a planta
se multiplica em folhas
que ela
a cada dia puxa
de si
( do ventre )
como sabres
feito um jogador
a exibir seus naipes

Em alguma parte alguma/ Ferreira Gullar, [apresentação Alfredo Bosi e Antonio Secchin]. - 2ª ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

Inseto - Ferreira Gullar

Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelética

Também mais complexo
que uma hidrelética
é um poema
( menos complexo que um inseto)

e pode às vezes
( o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida

Em alguma parte alguma/ Ferreira Gullar,[ apresentação Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin]. 2ª ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

Dois poetas na praia - Ferreira Gullar

É carnaval,
a terra treme:
um casal de poetas conversa
na praia do Leme!

Falam os dois de poesia
e dos banhistas
que nunca leram Drummond nem Mallarmé.
- E lerão meu poema?
pergunta ela.
- Alguém vai ler.
- Pois mesmo que não leia
não vou deixar de dizer
o que vejo nesta areia
que eles pisam sem ver.

E o poeta mais velho
sorri confortado:
a poesia está ali
renascida a seu lado.

Em alguma parte alguma/Ferreira Gullar,[apresentação Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin]. - 2ª ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

O que se foi - Ferreira Gullar

O que se foi se foi.
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.

Se o que se foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.

Portanto, o que se foi,
se volta, é feito morte.

Então por que me faz
o coração bater tão forte?

Em alguma parte alguma/ Ferreira Gullar; [apresentação Alfredo Bosi e Antonio Carlos Secchin]. - 2ª ed.. - Rio de Janeiro: José Olympio,2010.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Perplexidades - Ferreira Gullar

a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo

e todo o existir consiste nisto

é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo

e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

Em alguma parte alguma/Ferreira Gullar;2ª ed.- Rio de Janeiro:
José Olympio, 2010

domingo, 10 de outubro de 2010

Falar - Ferreira Gullar

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

A propósito do nada - Ferreira Gullar

sou
para o outro
este corpo esta
voz
sou o que digo
e faço
enquanto passo

mas
para mim
só sou
se penso que sou
enfim
se sou
a consciência
de mim

e quando
vinda a morte
ela se apague
serei o que alguém acaso
salve
do olvido

já que
para mim
(lume apagado)
nunca terei existido

Flagrante - Ferreira Gullar

o meu gato
na cadeira
se coça

corto papéis coloridos na sala
e os colo num caderno

a manhã clara canta na janela

estou eterno

Doída alegria - Ferreira Gullar

Durante anos
foi a minha constante companhia
aonde eu estava
ele vinha
e ronronando
em meu colo se acolhia

Até que um dia...

Faz anos já que a casa está vazia

Mas eis que
inesperado
ele de novo chega
e se deita a meu lado

Não me atrevo
a olhá-lo
pois é melhor não vê-lo
que não vê-lo

Nada pergunto
apenas vivo
a doída ilusão
de tê-lo junto

O som - Ferreira Gullar

o som é da Terra
não há nenhuma música das esferas
como pensou Aristóteles

música barulho
o trepidar cristalino
da água
sob as folhas
é coisa terrestre

o cosmo é um vastíssimo silêncio
de bilhões e bilhões de séculos

nenhum ruído
as estrelas são imensas explosões mudas
um desatino

a matéria estelar
(a explodir)
é silêncio
e energia

Para outros ouvidos talvez
poderia ser o universo
um insuportável barulho;
não para os nossos
terrenos

Viver na Terra é ouvir
entre outras vozes
o marulho
do mar salgado e azul
ouvir a ventania a rasgar-se nos galhos
antes do temporal

só aqui
neste planeta é que
se pode escutar teu límpido gorjeio,
passarinho,
pequenino cantor
da praça do Lido.

A estrela - Ferreira Gullar

Gatinho, meu amigo,
fazes ideia do que seja uma estrela?

Dizem que todo este nosso imenso planeta
coberto de oceanos e montanhas
é menos que um grão de poeira
se comparado a uma delas


Estrelas são explosões nucleares em cadeia
numa sucessão que dura bilhões de anos

O mesmo que a eternidade

Não obstante, Gatinho, confesso
que pouco me importa
quanto dura uma estrela

Importa-me quanto duras tu,
querido amigo,
e esses teus olhos azul-safira
com que me fitas

O espaço - Ferreira Gullar

não há espaços iguais

o espaço
entre o núcleo
do átomo
e os eléctrons
nada tem a ver
com o espaço
entre o sol
e os planetas
nem com o espaço
entre
minha mesa de jantar
e as paredes em volta

não há espaço vazio
cada espaço
é feito
dos corpos que estão
nele
que o deformam e o formam
é feito
de suas energias
e cargas elétricas
ou afetos

Dentro - Ferreira Gullar

"O um é um e não é dois"
Parménides, de Platão

estamos dentro de um dentro
que não tem fora

e não tem fora porque
o dentro é tudo o que há

e por ser tudo
é o todo:
tem tudo dentro de si

Até mesmo o fora se,
por hipótese,
se admitisse existir

O que se foi - Ferreira Gullar

O que se foi se foi.
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.

Se o que se foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.

Portanto, o que se foi,
se volta, é feito morte.

Então por que me faz
o coração bater tão forte?

Toada à toa - Ferreira Gullar

A vida, apenas se sonha
que é plena, bela ou o que for.
Por mais que nela se ponha
é o mesmo que nada por.

Pois é certo que o vivido
- na alegria ou desespero -
como o gás é consumido...
Recomeçamos de zero.