domingo, 14 de agosto de 2011

Flora - Bartolomeu Campos de Queirós ( trecho)

Flora era como madrugada.
Trazia no corpo a cor da noite somada
ao brilho do dia.
Era ônix molhado com a claridade do sol.
Sua maneira de viver era estar entre
o plantio e a colheita.
Passava os dias escutando o sol,
entre nuvens, para nas noites dialogar
com a lua, entre estrelas.
E para melhor escutar, Flora
restava sempre em silêncio.
Assim sendo, Flora era medianeira
entre a penumbra e o mistério.

...Flora segurava sementes
na palma da mão e sua alma se abria em festa
diante de tamanho alumbramento.
Seus olhos inquietavam o pensamento ao pensar
no gosto, no perfume, na cor, na forma existente
no interior de cada grão.
Poesia contida e pronta para interrogar
a possibilidade do infinito.
Nesse momento ela descobria que nascer
só valia a pena quando para bem viver a diferença.



Queirós, Bartolomeu Campos de
Flora/Bartolomeu Campos de Queirós;
ilustrações Ellen Pestili. 2ªed. - São Paulo: Global, 2009.

O albatroz - Charles Baudelaire

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os caminhos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu ninho!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flexa no ar,
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.



Baudelaire, Charles. "O Albatroz". Tradução de Guilherme de Almeida. In:Magalhães Junior,R. Antologia de poetas franceses do século XV ao século XX. Rio de Janeiro: Gráfica Tupy, 1950.
Postado por Antonio Cícero em Acontecimentos.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Pronominais - Oswald de Andrade

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro



Moriconi, Italo (organizador)
Os cem melhores poemas brasileiros do século/ Italo Moriconi(organizador).
-Rio de Janeiro:Objetiva, 2001.

Canção do exílio - Murilo Mendes

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilogos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!



Moriconi, Italo (organizador)
Os cem melhores poemas brasileiros do século/Italo Moriconi(organizador).
-Rio de Janeiro:Objetiva, 2001.