sábado, 3 de dezembro de 2011

Muita coisa se poderia fazer em favor da poesia - Manoel de Barros

Muita coisa se poderia fazer em favor da poesia:

a-Esfregar pedras na paisagem.
b-Perder a inteligência das coisas para vê-las.(Colhida em Rimbaud).
c-Esconder-se por trás das palavras para mostrar-se.
d-Mesmo sem fome, comer as botas. O resto em Carlitos.
e-Perguntar distraído: - O que há de você na água?
f-Não usar colarinho duro. A fala de furnas brenhentas de Mário-pega-sapo era nua. Por isso as crianças e as putas do jardim o entendiam.
g-Nos versos mais transparentes enfiar pregos sujos, teréns de rua e de música, cisco de olho, moscas de pensão...
h-Aprender a capinar com enxada cega.
i-Nos dias de lazer, compor um muro podre para os caramujos.
j-Deixar os substantivos passarem anos no esterco,
deitados de barriga, até que eles possam carrear para o poema um gosto de chão - como cabelos desfeitos no chão - ou como o bule de Braque - áspero de ferrugem, mistura de azuis e ouro - um amarelo grosso de ouro da terra, carvão de folhas.
l-Jogar pedrinhas nim moscas...



Barros, Manoel de, 1916-
Poesia completa/Manoel de Barros.- São Paulo: Leya, 2010.

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