quarta-feira, 4 de novembro de 2009

trecho de "Os Sertões" - Euclides da Cunha

...O vaqueiro criou-se em uma intermitência, raro perturbada, de horas felizes e horas cruéis, de abastança e misérias - tendo sobre a cabeça, como ameaça perene, o sol, arrastando de envolta no volver das estações, períodos sucessivos de devastações e desgraças.
Atravessou a mocidade numa intercadência de catástrofes.
Fez-se homem, quase sem ter sido criança.
Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras nas horas festivas da infância, o espantalho das secas no sertão.Cedo encarou a existência pela sua face tormentosa. É um condenado à vida.
Compreendeu-se envolvido em combate sem tréguas exigindo-lhe imperiosamente a convergência de todas as energias.

Fez-se forte, esperto, resignado e prático.
Aprestou-se, cedo, para a luta.

O seu aspecto recorda, vagamente, à primeira vista, o de guerreiro antigo exausto da refrega.
As vestes são uma armadura.
Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta; apertado no colete também de couro;calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas às pernas e subindo até as virilhas, articuladas em joelheiras de sola; e resguardados os pés e as mãos pelas luvas e guarda-pés de pele de veado - é como a forma grosseira de um campeador medieval desgarrado em nosso tempo...

...Reflete, nestas aparências que se contrabatem, a própria natureza que o rodeia - passiva ante o jogo dos elementos e passando, sem transição sensível, de uma estação à outra, da maior exuberância à penúria dos desertos incendidos, sob o reverberar dos estios abrasantes.
É inconstante como ela
É natural que o seja.
Viver é adaptar-se.
Ela o talhou à sua imagem: bárbaro, impetuoso, abrupto...

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