quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Pessoa - Ferreira Gullar

ALBERTO CAEIRO - Uma rosa.

FERNANDO PESSOA - É tão bela que até parece existir.

CAEIRO - O que em ti pensa está sentindo, e tu pensas o que desejas sentir.A rosa existe.

PESSOA - A rosa, que vejo, existe...Fito-a. O que em mim sente está pensando: existe?

CAEIRO - É o mal dos metafísicos. Exigem que as coisas tenham sentido, quando elas não precisam de sentido para existir. Transformam o ser numa idéia e negam a existência pelo raciocínio.

RICARDO REIS - Enquanto vocês discutem, a rosa murcha. Prefiro colhê-la e lhe aspirar o perfume.

ÁLVARO DE CAMPOS - Ou não colhê-la...A idéia de colher a rosa é bem melhor que o ato de colher a rosa. E se basta.E tanto um quanto o outro não são nada.

CAEIRO - É como dizia. Os metafísicos buscam o sentido oculto das coisas, mas o sentido oculto das coisas é elas não terem sentido oculto nenhum. As coisas são, e é o bastante.

PESSOA - Por um instante acredito no que dizes. Aceito-o mesmo...Mas, não! É um pensamento bom para se ter à hora da morte.

CAMPOS - Toda hora é a hora da morte. Que pensas tu que fazes a todo instante senão morrer? Se toda hora é a hora da morte e nenhum pensamento nos satisfaz, é porque nenhum pensamento vale a pena. Exceto este.

REIS - Tudo o que desespera está errado. Os deuses nos ensinam a impassibilidade. Se a rosa é bela, colhâmo-la, e a nossa vida terá tido um pouco mais de beleza e de perfume. De que vale pensar na morte, se isso não a elimina? Tenhâmo-la como certa e vivamos cada minuto como se fosse o último.
PESSOA - Como seria bom acreditar que este minuto é o último. Ou este, ou este...
CAMPOS - Espere, você contou três minutos e nem se passou um ainda. Esperemos um pouco, talvez ao fim deste minuto tudo se acabe.
PESSOA - Um minuto é tempo demais. Viver intensamente todo um minuto é quase o mesmo que a vida inteira. O que me manterá o mesmo por sessenta segundos?
REIS - Joguemos um pouco.
PESSOA - Não posso. Joguem vocês.
CAEIRO - Não sei jogar xadrez. As plantas não jogam e eu, como as plantas, não preciso escapar de mim.
PESSOA - Ninguém escapa de si, porque cada um é o prisioneiro e a prisão. Como seria bom poder deixar quem sou como se deixa um cárcere, e ir para o sol.
CAMPOS - É, mas quem pensa no sol não tem o sol. O sol que tens é esse que imaginas e que perderias quando saísses à rua e o sol da rua te batesse na pele.

2 comentários:

  1. rsrsrsrs sen-sa-cio-nal! rsrs coitado do Pessoa, imagina isso na cabeça dele 24h por dia! rsrsrs

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  2. Pedindo desculpas a todos,principalmente a Ferreira Gullar, por sua genialidade e perfeição nessa crônica, a única frase que me vem à cabeça é a do Kiko do abominável seriado Chaves : "Calem-se,calem-se que vocês me deixam louca!"rsrsrs

    P.S.Fernando Pessoa,apesar dessa complexidade toda,eu te amo,você é apenas o máximo.

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