Eu ainda não sabia ler, mas já era bastante esnobe para exigir os meus livros. Meu avô foi ao patife de seu editor e conseguiu de presente Les Contes do poeta Maurice Bouchor, narrativas extraídas do folclore e adaptadas ao gosto da infância por um homem que conservava, dizia ele, olhos de criança. Eu quis começar na mesma hora as cerimônias de apropriação. Peguei os dois volumezinhos, cheirei-os, apalpei-os, abri-os negligentemente na "página certa", fazendo-os estalar. Debalde: eu não tinha a sensação de possuí-los. Tentei sem maior êxito tratá-los como bonecas, acalentá-los, beijá-los, surrá-los. Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: "O que queres que eu te leia, querido? As Fadas?" Perguntei incrédulo: " As Fadas estão aí dentro?"
Sartre, Jean-Paul, 1905-1980
As palavras / Jean-Paul Sartre; tradução J. Guinsburg. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005 - pag.33
FEIRA DO LIVRO - PARTE 2
Há 2 dias
Não sei se é porque sou uma educadora, lendo este texto lembro dos meus pequenos alunos querendo ler e escrever e tendo o mesmo fascínio de Sartre pelas palavras, o mesmo momento mágico.
ResponderExcluirNão conheço nada mais poético. Lindo!!!!!!!!!!!!