sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Poema - Ferreira Gullar

Se morro
universo se apaga como se apagam
as coisas deste quarto
se apago a lâmpada:
os sapatos-da-Ásia, as camisas
e guerras na cadeira, o paletó-
dos-Andes,
bilhões de quatrilhões de seres
e de sóis
morrem comigo.

Ou não:
o sol voltará a marcar
este mesmo ponto do assoalho
onde esteve meu pé;
deste quarto
ouvirás o barulho dos ônibus na rua;
uma nova cidade
surgirá de dentro desta
como a árvore da árvore.

Só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens
a mesma história que eu leio, comovido.

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